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Cessem, por favor, a proibição da Comunhão na boca que é um direito do fiel, segundo a lei universal da Igreja (jamais revogada)

Criticar publicamente algumas ações da hierarquia em matérias graves que afetam a Fé e a Moral não é algo que  costuma ser bem digerido no meio católico. Não raramente quem denuncia erros que estão a afetar a vida eclesial costuma ser visto como um elemento desagregador. Normalmente, diante de problemas na Igreja, somos chamados apenas a fazer penitência e a rezarmos, além de silenciarmos, mas existem situações que nos forçam a quebrar o nosso silencio e denunciar aquilo que está a afligir à Esposa de Cristo, sua Igreja, e isso está amparado no Código de Direito Canônico, no cânon 212, parágrafo 3º.

Sabemos que precisamos da virtude teologal da Fé para enxergarmos aquilo que a Igreja Católica realmente é: o Corpo Místico de Cristo. A Igreja, além do seu elemento humano, frágil e visível, tem origem divina, veio do alto, e é assistida perenemente pelo Espírito Santo, e, portanto, indefectível. Quem assim crê, não tem dificuldade em perceber que a Igreja é superior às demais estruturas e instituições presentes no mundo, e que por ser detentora de uma mensagem de salvação que vem do alto, ela possui a missão de iluminar e formar o mundo através da Revelação da qual é a única custodiante e legítima propagadora sobre a Terra. Mas quem descuidou da Fé, ainda que esteja na Igreja, mesmo que como um membro proeminente da sua hierarquia, não vê com a devida clareza que ela é a “coluna e o sustentáculo da verdade”, mas apenas mais um dos muitos outros agentes a contribuir para o devir da história, segundo uma concepção hegeliana da mesma, visão também encontrada na teologia equivocada de Rahner.

Devemos ter cuidado para que uma visão  redutiva e diluída da Igreja não  se torne comum, muito menos dominante. Fato é, que durante a “pandemia” do coronavírus, não poucos bispos de todo o orbe, tiveram dificuldade em perceber como que uma questão sanitária foi rapidamente instrumentalizada para tentar submeter a Esposa de Cristo aos caprichos dos déspotas do momento, que ao aplicarem uma série de medidas irracionais e desproporcionais, que espezinharam muitos direitos humanos, também atingiram em cheio os direitos da própria Igreja, chegando-se ao cúmulo  de em algumas localidades ordenarem o fechamento, por algum tempo, dos templos religiosos católicos. Foram dias sombrios, não restam dúvidas, que precisam ficar gravados em nossa memória para que não se repitam.

Um outro problema que se revelou mais dramaticamente nestes tempos, foi a percepção de que uma visão reducionista, materialista e amputada da Igreja tem se tornado mais comum entre os seus membros. O risco nesse caso é o de se considerar somente as estruturas visíveis da mesma, perdendo-se o horizonte da transcendência. Se temos uma imagem que a “Igreja somos nós", como se apenas nós fôssemos a Igreja, podemos correr o risco de ceder às tentações de autoritarismos locais e criar normas e mesmo uma práxis desvinculadas da lei universal da Igreja, criando verdadeiros feudos que poderiam se tornar embriões de futuros cismas. O risco da perda da catolicidade da Igreja em muitas regiões do mundo é profundo e real, e este se apresenta muitas vezes sob uma perigosa máscara de adaptação à cultura secular dominante (secularismo). 

A Fé ajuda a iluminar o conceito  de obediência às autoridades constituídas, uma vez que o destinatário último e ao mesmo tempo principal, da virtude da obediência é o próprio Deus. Um conceito de obediência cega que se aplica a torto e a direito, que segue até ordens imorais ou que não se importa se o superior tem ou não competência para emitir determinada ordem, não pode se coadunar com a verdadeira obediência católica que é uma virtude moral e por isso mesmo deve ser exercida dentro de alguns limites. Pode-se até pecar por excesso, quando, por exemplo, se obedece às ordens contrárias a uma lei ou um preceito que lhes são superiores, e damos a isso o nome de servilismo.

No atual contexto eclesial, surge,  infelizmente, com cada vez mais frequência um certo tipo de obediência seletiva que escolhe o que se quer obedecer com todo o rigor, ao mesmo tempo, que existem situações em que se relativizam até o Catecismo, ou mesmo algumas determinações vindas de Roma que confrontam algumas opções heterodoxas de eclesialidade há muito já implementadas em determinadas dioceses. Tais determinações são tratadas, às vezes, como se fossem apenas subsídios mais ou menos adaptáveis ao gosto dos membros de uma diocese, e não como normas vinculativas. É nesse contexto grave e complexo que devemos compreender tudo o que se passou nos últimos três anos, sobretudo no que se refere às proibições de alguns bispos no Brasil, e não só no Brasil, da possibilidade do fiel poder receber Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento da Eucaristia, segundo a lei ordinária e universal da Igreja, jamais revogada, que é sobre a língua. Para trazer essa importante discussão à tona, é preciso fazer um parêntese e recordar que a Comunhão na mão foi restabelecida na Igreja há poucas décadas, apenas como um indulto, mas mesmo assim se tornou hoje a forma mais comum de se receber o Santíssimo Sacramento, embora a forma ordinária e podemos julgar legitimamente, a mais recomendada, continua a ser a Comunhão sobre a língua, pois esta diminui o risco de profanações e realça o caráter especialíssimo de Quem se está recebendo no Sacramento. Não seria muito mais lógico e benigno julgar que a opção do fiel em receber a Sagrada Comunhão na boca,  teria muito mais a ver com sua piedade e desejo de dar glória a Deus com seu corpo e gestos, manifestando desse modo sua Fé na Presença Real, do que achar que tal comportamento seja fruto  de preciosismo, capricho, vontade de aparecer, ou mesmo uma questão de higiene, embora tais situações também possam eventualmente ocorrer?

Citarei agora um texto oportuno de um conceituado jurista católico, Ricardo Dipp, para contextualizar uma situação em que uma instância inferior, no caso bispos, se impõe, na prática, a uma instância superior, no caso, uma legislação litúrgica geral e universal emanada por uma Congregação Romana que está diretamente vinculada ao Papae, portanto, ao seu serviço.

Num artigo de 2013, chamado sugestivamente de “Cremos na Presença Real?”, o eminente jurista católico comenta sobre a proibição da distribuição da Sagrada Eucaristia na língua, por parte de alguns bispos no Brasil, na época por causa da epidemia de H1N1, assim ele disse:

“Tem-se imposto, por estes dias, em várias dioceses brasileiras a vedação do recebimento da Sagrada Forma sobre a língua, sendo certo que aos Bispos diocesanos compete “dar normas obrigatórias para todos em matéria litúrgica” (§ 4º do cânon 838 do Código de Direito Canônico).

Tendo em conta o caráter público das ações litúrgicas (§ 1º do cânon 837 desse Código) −ações essas que constituem exercício atualizado da função sacerdotal de Nosso Senhor Jesus Cristo (§ 1º do cânon 834)−, compete à Sé Apostólica “ordenar a sagrada liturgia da Igreja universal” e “vigiar para que as normas litúrgicas se cumpram fielmente em toda parte” (§ 2º do cânon 838).

Dessa maneira, a potestade dos Bispos diocesanos quanto ao Direito litúrgico é apenas integrativa e complementar, exercitando-se intra limites suae competentiae −dentro nos limites de sua competência (§ 4º do cânon 838), sob a autoridade do Sumo Pontífice (§ 2º do cânon 381) e da disciplina comum a toda a Igreja (§ 1º do cânon 392).

 Impõe-se mesmo aos Bispos diocesanos a relevante missão de “vigiar para que não se introduzam abusos na disciplina eclesiástica, especialmente acerca do ministério da palavra, da celebração dos sacramentos e sacramentos, do culto a Deus e dos Santos e da administração dos bens” (§ 2º do cânon 392).

 Vale dizer que a Autoridade episcopal é titular de uma potestade normativa subordinada às leis universais expedidas pela Sé Apostólica.

Havendo leis gerais para a administração e recepção lícita dos sacramentos (cânon 841), não compete aos Bispos diocesanos, com inovação disciplinária, divorciar-se da regulativa universal.” – fim da citação.

 

A conhecida instrução Redemptionis Sacramentum emitida pela Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos em 2004, é muito clara nos itens citados abaixo a respeito dos direitos de os fiéis de sempre poderem receber a Sagrada Eucaristia na boca, se não tiverem nenhum impedimento, leiam abaixo com atenção: 

“[91.] Na distribuição da sagrada Comunhão se deve recordar que «os ministros sagrados não podem negar os sacramentos a quem os pedem de modo oportuno, e estejam bem dispostos e que não lhes seja proibido o direito de receber».[177] Por conseguinte, qualquer batizado católico, a quem o direito não o proíba, deve ser admitido à sagrada Comunhão. Assim pois, não é lícito negar a sagrada Comunhão a um fiel, por exemplo, só pelo fato de querer receber a Eucaristia ajoelhado ou de pé.

[92.] Todo fiel tem sempre direito a escolher se deseja receber a sagrada Comunhão na boca[178] ou se, o que vai comungar, quer receber na mão o Sacramento. Nos lugares aonde Conferência de Bispos o haja permitido, com a confirmação da Sé apostólica, deve-se lhe administrar a sagrada hóstia. Sem dúvida, ponha-se especial cuidado em que o comungante consuma imediatamente a hóstia, na frente do ministro, e ninguém se desloque (retorne) tendo na mão as espécies eucarísticas. Se existe perigo de profanação, não se distribua aos fiéis a Comunhão na mão.[179]”

Também a Instrução Geral do Missal Romano é límpida a esse respeito no item abaixo:

“161. Se a Comunhão for distribuída unicamente sob a espécie do pão, o sacerdote levanta um pouco a hóstia e, mostrando-a a cada um dos comungantes, diz: O Corpo de Cristo ou Corpus Christi. O comungante responde: Amem, e recebe o Sacramento na boca, ou, onde for permitido, na mão, conforme preferir. O comungante recebe a hóstia e comunga-a imediatamente e na íntegra.”

 

Minha Nota: Está bem claro nesse item que a Comunhão na mão é apenas um indulto, e não a norma geral.

Há quem diga que o sempre indicado na instrução Redemptionis Sacramentum de 2004, não é tão sempre assim, e que casos como uma crise sanitária igual à do coronavírus seriam capazes de inverter as coisas e fazer com que a autoridade do ordinário local, nessa situação de exceção, se sobressaísse a de Roma. Bem, não foi isso que verificamos em um caso análogo em 2009 quando houve uma epidemia de H1N1 na Inglaterra e os bispos ingleses quiseram proibir os fiéis daquele país de receber Nosso Senhor na boca. Segue abaixo carta do dicastério romano em resposta ao fiel inglês que reclamou dessa proibição:

“Fonte: Rorate-Caeli

Roma, 24 de julho de 2009

Prezado,

Esta Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos deseja dar-lhe ciência do recebimento de sua carta datada de 22 de julho, acerca do direito dos fiéis de receber a Sagrada Comunhão na língua.

Este Dicastério observa que sua Instrução Redemptionis Sacramentum (25 de março de 2004) claramente determina que “todo fiel tem sempre direito a escolher se deseja receber a sagrada Comunhão na língua” (n. 92), nem é lícito negar a Sagrada Comunhão a qualquer dos fiéis de Cristo que não estão impedidos pelo direito de receber a Sagrada Eucaristia (cf. n. 91)

A Congregação lhe agradece por trazer esta importante matéria à sua atenção. Esteja assegurado que os apropriados contatos serão feitos.

Possa o senhor perseverar na fé e no amor a Nosso Senhor e sua Santa Igreja, e em contínua devoção ao Santíssimo Sacramento.

Com todo bom desejo e benevolente estima, sou,

Sinceramente Vosso em Cristo,

Pe. Anthony Ward, S.M.

Sub-Secretário”

Pois bem, diante de um caso tão semelhante ao atual, penso que não há como não estender a compreensão de Roma em relação ao que aconteceu em 2009 (H1N1), à situação de agora (coronavírus), afinal de contas, o lapso de 10 (dez) anos para a Igreja é como se fosse um nada, e é justo imaginar que aquilo que a Igreja falou em 2009, continua válido em 2019, 2020, 2021, etc. Além do mais, seria bem mais lógico pensar que o sempre presente no documento deveria ser entendido como sempre, e não como “às vezes”, ou “só quando não tivermos epidemias”.

Posto tudo isso e nos detendo, por um instante que seja, na questão sanitária, qual seria a real garantia de que a Sagrada Eucaristia distribuída nas mãos seria mais “segura” do que na língua? De onde se tirou tamanha certeza?  Há algo que comprove isso, ou tudo se baseou em preferências, achismos e impressões que acabam por deixar tais decisões ainda mais frágeis e incertas, mas que mesmo assim ousaram tocar naquilo que é mais sagrado e importante: a intimidade do fiel ao receber Jesus Cristo em seu coração, na Sagrada Comunhão? Não se estaria trilhando um caminho perigoso ao reduzir demasiadamente tudo a uma questão de saúde pública?

Ninguém deveria deixar de reconhecer a pressão, preocupação e responsabilidade a que estavam sujeitos os bispos durante o período da "pandemia", mas também não podemos deixar de observar que muitos decretos diocesanos mundo afora, se mostraram incongruentes com a atual regra universal da Igreja, que confia ao fiel o direito de escolher como irá comungar, desde que na sua diocese tenha sido autorizado a Comunhão na mão.

A maneira como fiéis tem sido humilhados, mundo a fora, ao terem o seu direito de receber Nosso Senhor negado é uma ferida aberta no coração da Igreja hoje, pois além de ferir os próprios fiéis, fere-se também a unidade da própria Igreja. É mister e urgente que os bispos brasileiros que ainda proíbem  a distribuição da Sagrada Eucaristia aos fiéis que desejam recebê-lA na língua, revejam essa decisão que contraria os direitos dos fiéis protegidos pela lei universal da Igreja. Aproveito também a oportunidade para pedir que outras  medidas sejam tomadas afim de evitar ou ao menos reduzir substancialmente os riscos de profanações no presente e no futuro, contribuindo com isso para o fortalecimento da piedade Eucarística em nossa pátria: o retorno do uso da patena (bandeja) na hora da distribuição da Sagrada Eucaristia aos fiéis [1] , e a proibição aos comungantes, deles mesmos fazerem a intinção no caso da distribuição da Sagrada Eucaristia nas duas espécies [2], ambas medidas são amparadas pela lei atual e universal da Igreja.

Rezemos para que Fé na Presença Real na Eucaristia seja restaurada nos corações dos fiéis católicos brasileiros e que nossas assembleias possam refletir fielmente o aumento da nossa Fé e piedade. Que Nossa Senhora da Conceição Aparecida e São José alcancem essa grande graça para a Terra de Santa Cruz.


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