Divorciados recasados no ensino perene da Igreja e a ambiguidade (ainda não explicada) da "Amoris laetitia"
De
1º a 3 de junho de 2012, aconteceu na cidade de Milão na Itália, o VII
Encontro Mundial das Famílias. Um dos pontos altos daquele evento foi a
chamada “Festa dos Testemunhos”, onde famílias de diferentes
partes do mundo tiveram a possibilidade de dialogar com o Santo Padre sobre
temas relacionados à família.
Naquela
ocasião, um casal brasileiro de Porto Alegre questionou o Santo Padre a
respeito do que a Igreja poderia fazer para que os chamados divorciados
recasados se sentissem mais acolhidos, uma vez que eles não podem receber os
Sacramentos. O Santo Padre Bento XVI deu uma resposta segura e amorosa para os
que se encontravam naquela situação, explicando detalhadamente que mesmo sem
receber os Sacramentos, a Igreja os amava e os acolhia e ainda apontou um
caminho profícuo para que aprofundassem o seu processo de conversão: a direção
espiritual com um sacerdote. Vejam abaixo a transcrição do diálogo:
FAMÍLIA
ARAÚJO (família brasileira de Porto Alegre)
[MARIA
MARTA]: Santidade, no nosso Brasil,
como, aliás, no resto do mundo, continuam a aumentar as falências matrimoniais.
Chamo-me
Maria Marta, ele é Manoel Ângelo. Estamos casados há 34 anos e já somos avós.
Na qualidade de médico e psicoterapeuta familiares, encontramos muitas
famílias, notando nos conflitos de casal uma dificuldade mais acentuada de
perdoar e de aceitar o perdão, mas em vários casos constatamos o desejo e a
vontade de construir uma nova união, algo duradouro, mesmo para os filhos que
nascem da nova união.
[MANOEL
ÂNGELO]: Alguns destes casais recasados
teriam vontade de aproximar-se da Igreja, mas, quando veem
negar-lhes os Sacramentos, a sua decepção é grande. Sentem-se
excluídos, marcados por um juízo sem apelo.
Estas
grandes penas magoam profundamente aqueles que nelas estão envolvidos; são
lacerações que se tornam também parte do mundo, são feridas também nossas e da
humanidade inteira.
Santo
Padre, sabemos que a Igreja leva no seu coração estas situações e estas
pessoas: que palavras e que sinais de esperança lhes podemos dar?
[SANTO
PADRE]: Queridos amigos, obrigado pelo
vosso trabalho de psicoterapeutas a favor das famílias, muito necessário.
Obrigado por tudo o que fazeis para ajudar estas pessoas que sofrem. Na
verdade, este problema dos divorciados recasados é um dos grandes sofrimentos
da Igreja atual. E não temos receitas simples. O sofrimento é grande, podendo
apenas animar as paróquias, os indivíduos a ajudar estas pessoas a suportarem o
sofrimento deste divórcio. Digo que é muito importante, naturalmente, a
prevenção, isto é, aprofundar desde o início o enamoramento numa decisão
profunda, amadurecida; além disso, o acompanhamento durante o matrimonio, de
modo que as famílias nunca se sintam sozinhas, mas sejam realmente acompanhadas
no seu caminho.
Depois,
quanto a estas pessoas, devemos dizer – como o Manoel afirmou – que a Igreja as
ama, mas elas devem ver e sentir este amor. Considero grande tarefa duma
paróquia, duma comunidade católica, fazer todo o possível para que elas sintam
que são amadas, acolhidas, que não estão «fora», apesar de não
poderem receber a absolvição nem a Comunhão: devem ver que mesmo assim
vivem plenamente na Igreja. Mesmo se não é possível a absolvição na
Confissão, não deixa talvez de ser muito importante um contacto permanente
com um sacerdote, com um diretor espiritual, para que possam ver que são
acompanhadas, guiadas. Além disso, é muito importante também que sintam que a
Eucaristia é verdadeira e participam nela se realmente entram em comunhão com o
Corpo de Cristo. Mesmo sem a recepção «corporal» do Sacramento,
podemos estar, espiritualmente, unidos a Cristo no seu Corpo. É importante
fazer compreender isto.
Oxalá
encontrem a possibilidade real de viver uma vida de fé, com a Palavra de Deus,
com a comunhão da Igreja, e possam ver que o seu sofrimento é um dom para
a Igreja, porque deste modo estão ao serviço de todos mesmo para defender a
estabilidade do amor, do Matrimonio; e que este sofrimento não é só um tormento
físico e psíquico, mas também um sofrer na comunidade da Igreja pelos grandes
valores da nossa fé. Penso que o seu sofrimento, se realmente aceito
interiormente, seja um dom para a Igreja. Devem saber que precisamente assim
servem a Igreja, estão no coração da Igreja. Obrigado pelo vosso
compromisso!
Fonte: https://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2012/june/documents/hf_ben-xvi_spe_20120602_festa-testimonianze.html
Link para o vídeo com legenda: https://youtu.be/PPUPIoCb-Uw
Essa
brilhante explanação de Bento XVI, está em consonância com ensino tradicional
da Igreja explicitado nos parágrafos quatro e cinco do nº 84 da
importante encíclica "Familiaris Consortio" publicada por
São João Paulo II em 1981 que diz assim:
“A
Igreja, contudo, reafirma a sua práxis, fundada na Sagrada
Escritura, de não admitir à comunhão eucarística os divorciados que contraíram
nova união. Não podem ser admitidos, do momento em que o seu
estado e condições de vida contradizem objetivamente aquela união de amor entre
Cristo e a Igreja, significada e atuada na Eucaristia. Há, além disso,
outro peculiar motivo pastoral: se se admitissem estas pessoas à
Eucaristia, os fiéis seriam induzidos em erro e confusão acerca da doutrina da
Igreja sobre a indissolubilidade do matrimonio.”
“A
reconciliação pelo sacramento da penitência - que abriria o caminho ao
sacramento eucarístico - pode ser concedida só àqueles que, arrependidos de ter
violado o sinal da Aliança e da fidelidade a Cristo, estão sinceramente
dispostos a uma forma de vida não mais em contradição com a indissolubilidade
do matrimonio. Isto tem como consequência, concretamente, que quando o
homem e a mulher, por motivos sérios - quais, por exemplo, a educação dos
filhos - não se podem separar, «assumem a obrigação de viver em
plena continência, isto é, de abster-se dos actos próprios dos cônjuges»(180).”
Novos
documentos magisteriais podem e devem conter alguma clarificação ou
desenvolvimento em relação a doutrina de sempre da Igreja, mantendo-se
obviamente uma unidade lógica com este ensinamento. Não é admissível e nem
mesmo possível uma ruptura no ensinamento tradicional da Igreja em matéria de
Fé e moral, uma vez que ela é assistida perenemente pelo Espírito Santo, e
sendo o Paráclito imutável e perfeitíssimo por natureza, não mudaria de opinião
em relação ao que a Igreja sempre ensinou na sua doutrina, para se adaptar aos
tempos. A "hermenêutica da continuidade", tão
defendida e propagada por Bento XVI, precisa ser uma chave importante de
leitura para quaisquer documentos da Igreja, para que quando estes apresentarem alguns aspectos confusos ou ambíguos, possam ser interpretados na linha do que a Igreja sempre ensinou em matéria de Fé e de
Moral.
"Não se pode mudar a disciplina milenar da Igreja com uma nota de
rodapé" (Cardeal Carlo Caffara). "Em matéria de doutrina e moral o
Magistério não pode contradizer a si mesmo" (idem). Bento XVI no
encontro de 2012, nos recordou mais uma vez as verdades de sempre sobre as
proibições relacionadas a administração de Sacramentos para quem vive em
adultério. Ou “Amoris Laetitia” publicada apenas quatro anos
depois da fala de Bento está em perfeita continuidade com Magistério de sempre
da Igreja ou então teríamos uma situação bastante inusitada, onde um documento
do Papa atual estaria contradizendo o ensinamento tradicional da Igreja a
respeito da recepção de Sacramentos por pessoas que objetivamente e
publicamente estão em situação de pecado.
Nunca é demais recordar que o Papa é um servidor de Cristo e que o poder das
"Chaves" a ele confiado jamais poderá ser usado para entrar em
contradição com aquilo que o próprio Senhor já confiou a sua Igreja através da
Sagrada Tradição, da Sagrada Escritura e do próprio Sagrado Magistério ao longo
da sua rica história, mas antes servirá para garantir os fiéis na Fé de sempre
da Igreja.
Nesses
tempos confusos e de pouca clareza, tenhamos Fé em Deus e não desanimemos, o
Senhor jamais abandonará a sua Igreja. Embora hoje, ela possa muitas vezes parecer
tão débil e ás vezes, até irreconhecível, isso são apenas as falhas do seu elemento
humano, na verdade a Igreja Católica continua e sempre continuará invencível e
indefectível.
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