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STF: do laicismo à eugenia, uma trajetória infeliz.

“Quanto mais o homem se afasta de Deus, mais se aproxima do seu nada”.

(São Tomás de Aquino)

Quando analiso o julgamento do STF sobre a despenalização do aborto de anencéfalos, vem a minha mente o seguinte pensamento: quem foi que deu um poder desses, de decidir sobre a vida ou a morte de crianças, à Suprema Corte do Brasil? É Deus quem nos dá a vida, e só Ele pode a tomar de volta. Será justo que homens frágeis decidam quem mereça ou não viver? Será justo que eles decidam quem é suficientemente humano e, portanto, portador de direitos e quem não é?

A história se repete. É muito triste perceber que o homem do nosso tempo aprendeu tão pouco com os erros do passado. Depois de um século XX marcado por regimes totalitários e ateus, que vilipendiaram como nunca a dignidade do homem, era de se esperar que não repetíssemos em tão pouco tempo esses mesmos erros, considerando que são poucas as décadas que nos separam do horror nazista. Seria natural que ainda estivesse fresco em nossa memória as atrocidades cometidas naquele tempo para não mais trilhar esse caminho de horror, mas nossa memória anda curta e embotada, infelizmente.

Dito isso, foi com profundo dissabor que li a íntegra do voto do relator da ADPF-54, do Ministro do STF, senhor Marco Aurélio Mello. De maneira totalmente despropositada e arrogante ele iniciou o seu voto com uma desnecessária defesa da laicidade do Estado brasileiro. Desnecessária porque todos sabem que o Brasil é, infelizmente, um Estado laico (e não é de hoje), e até onde eu sei, não está correndo nenhum risco de se tornar uma teocracia aos moldes do Irã. Chamou-me a atenção a profunda aversão que o ministro demonstrou pela religião (sobretudo a católica), e também a dificuldade que teve em disfarçá-la em seu texto. Mencionou desde os crucifixos em tribunais até o “Deus seja louvado” impresso nas notas do Real, divagações essas que nem de raspão tocaram no tema do julgamento em questão. O STF serviu de palco para a mais descarada militância ateísta.

Ficou também evidente o papel que o referido ministro espera que as confissões religiosas desempenhem na sociedade. Diz ele em seu voto: ”concepções morais religiosas, ..., não podem guiar decisões estatais, devendo ficar circunscritas à esfera privada.” O Ministro torna claro aqui, que não quer apenas a separação do Estado e Igreja, ele deseja na verdade que a Igreja seja um zero à esquerda, um “Zé Ninguém”, incapaz de influenciar a sociedade na qual está inserida. Poucas vezes percebi numa autoridade brasileira um viés tão laicista e antirreligioso. Simplesmente ele está dizendo que os preceitos morais do Cristianismo e toda a sua influência não devem atravessar a porta da Igreja em direção à rua. Que vergonha, senhor ministro! Quem é o senhor para dizer o que a Igreja e os fiéis devem ou não fazer? Por acaso o senhor desconhece que a Igreja Católica é a verdadeira mestra na Moral? Ela recebeu de seu Fundador a missão de educar os povos na Fé e na Verdade, e isso inclui, sem dúvida, a renovação dos costumes, das relações humanas e até mesmo das leis. Ponha-se no seu lugar, senhor Ministro!

Depois de uma introdução desse naipe, o ministro Marco Aurélio Mello finalmente entrou no tema do dia, a despenalização do aborto de anencéfalos. Usando de uma retórica cuidadosamente planejada, nem mencionou a palavra aborto, trocando-a por “antecipação terapêutica do parto”. Até onde se sabe, medidas terapêuticas se tomam contra doenças. Será que para o ministro, a criança anencéfala no ventre da mãe seria como uma doença a ser combatida?

O que se viu a partir daí foi um festival de horrores. A “coisificação” e o desprezo pela vida nascente ficaram mais que evidente em todo o voto do relator. Em todo o seu parecer parecia que estávamos falando de apenas uma vida, de um único sujeito: a mãe. Não esperava ler as baixezas que eu li no voto de um ministro do STF. Citou textos se referindo a gestante como um caixão ambulante, se referiu ao anencéfalo como um natimorto. Em tudo que dizia só fazia crer que tal criança era um peso e não merecia viver, ainda que não defendesse isso explicitamente, alegando defender a liberdade de escolha da mulher.

Movido por um feminismo caduco e piegas, o referido ministro se apegou a alguns testemunhos pré-selecionados de mães que se encaixaram perfeitamente no quadro macabro por ele pintado. Mães essas que ao descobrir a doença dos seus filhos realizaram abortos e não demonstraram nenhum tipo de arrependimento pelo mal praticado. Senhor Ministro, tais mães não refletem de maneira alguma a realidade das mães brasileiras. Ainda que seja compreensível a confusão e a dor das mães que passem por tal gravidez, penso que  muitas mães dessa nação, não hesitariam em receber com carinho essas crianças ainda que soubessem que teriam pouco tempo para estar junto delas.

Essa despenalização do aborto, senhor Ministro, longe de ser um “clamor” das mães brasileiras, poderia ser antes, o desejo de alguns  setores da sociedade (incluindo os profissionais de saúde) que se deixaram, infelizmente,  contaminar por uma mentalidade eugenista.  Existem até médicos que não compreendendo bem a dignidade de cada ser humano (independentemente de sua idade e tamanho) e a relação mãe-filho, induzem muitas mulheres sem instrução e psicologicamente despreparadas à prática de aborto quando identificam quaisquer anomalias mais graves no ultrassom. Isso, infelizmente, é a vida real. Sei de casos em que o médico indicou o aborto simplesmente porque o exame detectou Down no feto.

Dito isso, não nos convence essa estranha sensibilidade do ministro em nos dizer que pensou nas mulheres ao aprovar tal medida, se realmente pensasse nas mulheres, saberia que um aborto, um assassinato direto do próprio filho, é uma destruição moral da qual a mulher dificilmente se recupera. Só Deus pode curar um coração tão dilacerado por um trauma tão grande. O que é pior? Esperar o seu filho nascer já tendo a certeza que ele morrerá em pouco tempo, mas mesmo assim acolhê-lo como um dom, e amá-lo ainda que por poucos minutos, podendo até ter a oportunidade de batizá-lo, ou matá-lo para se livrar de um peso? Qualquer um que tiver o mínimo de bom senso e honestidade intelectual sabe a resposta.

Depois de uma enxurrada de grosserias e desqualificações do anencéfalo, ao final do parecer, o senhor Ministro teve ainda o desplante de soltar a seguinte pérola: “inexiste hierarquia do direito à vida sobre os demais direitos.” Gente, um ministro do STF disse isso! A que ponto chegamos! O absurdo de tal afirmação é tamanho que até parece um balão de ensaio testando o nível cognitivo e de reação do brasileiro. Qualquer pessoa sabe que o primeiro dos direitos é o direto à vida porque é dele que se derivam os demais direitos, sem vida não há por que se falar em objeção de consciência ou mesmo direito à propriedade. Pior do que essa definição absurda do ministro foi a explicação da mesma. Baseado num artigo do Código Penal que não pune a mulher que realizou o aborto em caso de estupro, o ministro deu a entender que o “direito” (de não ter o filho indesejado) da mulher estuprada se sobrepõe ao direito a vida do nascituro. Não é verdade. O aborto nesse caso continua sendo um crime, apenas não se prevê punição devido a atenuantes referente a situação excepcionalíssima de uma mulher que foi violentada. 

Finalizo dizendo que este é um dia de luto para a nação brasileira. Dia 12/04/2012 ficará marcado para sempre como o dia que a eugenia foi institucionalizada nessa Terra de Santa Cruz, a não ser é claro que algo inesperado aconteça e os quatro ministros que votarão mais tarde votem contra o parecer do relator, o que se mostra cada vez mais improvável. Há quem diga que a Igreja e os cristãos perderam. Errado, como disse D. Odilo Scherer, quem perdeu foi a humanidade.

Chegará o dia que eu, você que me lê, Marco Aurélio Mello e demais ministros do STF, teremos que prestar contas ao Justo Juiz. Diante do Deus Onisciente, fonte de vida, não adiantará tergiversar. Manobras e subterfúgios jurídicos não terão qualquer serventia. Pensemos nisso.

Comentários

  1. A igreja já teve mais poder, a igreja já chamou mais os seus fiéis, seus fiéis já responderam mais aos chamados da igreja, essa derrota, essa falta de respeito diz muito mais, a liderança atual parece estar fraquejando, estou errado ?

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  2. Pois é meu irmão. Mas desta a vez até que vi muito "peixe grande" se manifestar. Pena que não teve ressonância nos corações duros dos ministros do STF e na maioria do povo brasileiro que mais uma vez ficou dormindo em berço esplêndido.

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  3. O pior infelizmente ainda está por vir. A máquina petista já começou a se manifestar, e rapidamente montará uma verdadeira estrutura de morte no SUS com o dinheiro dos nossos impostos. Lamentável.

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