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Carta aberta ao Papa Francisco (por Padre Thomas G. Weinandy)

"Santidade:

Escrevo esta carta com amor à Igreja e sincero respeito por vosso ministério. Vós sois o Vigário de Cristo na terra, o Pastor do Seu rebanho, o Sucessor de São Pedro e, portanto, a rocha sobre a qual Cristo construiu Sua Igreja. Todos os católicos, sejam clérigos ou leigos, devem dirigir-se a Vós com lealdade e obediência filiais fundamentadas na verdade. A Igreja se dirige a Vós com espirito de fé, com a esperança de que Vós a guieis no amor.

No entanto, Santidade, Vosso Pontificado parece estar marcado por uma confusão crônica. A luz da fé, a esperança e o amor não estão ausentes, mas muito frequentemente estão obscurecidos pela ambiguidade de vossas palavras e ações. Isto faz com que entre os fiéis haja cada vez mais inquietação, enfraquecendo sua capacidade de amor, de alegria e de paz. Permiti-me dar alguns exemplos.

O primeiro se refere à disputa em relação ao Capítulo oitavo de Amoris Laetitia. Não necessito compartilhar minhas próprias preocupações sobre seu conteúdo. Outros, não só teólogos, mas também cardeais e bispos, já o fizeram. A preocupação principal é vossa maneira de ensinar. Em Amoris Laetitia, vossas indicações parecem às vezes intencionalmente ambíguas, convidando tanto a uma interpretação tradicional do ensinamento católico sobre o matrimônio e o divórcio, como também a uma interpretação que parece levar consigo uma mudança neste ensinamento. Como Vós mesmo, com grande sabedoria, observa, os pastores devem acompanhar e animar às pessoas que se encontram em matrimônios irregulares; mas a ambiguidade persiste em relação ao significado real desse “acompanhamento”. Ensinar com uma falta de clareza pode inevitavelmente* (grifo meu) levar a pecar contra o Espírito Santo, o Espírito da verdade. O Espírito Santo foi entregue à Igreja e sobretudo a Vós, para dissipar o erro, não para fomentá-lo. Além disso, só onde há verdade pode haver verdadeiro amor, porque a verdade é a luz que liberta os homens e as mulheres da cegueira do pecado, uma obscuridade que mata a vida da alma. No entanto, Vós pareceis censurar e inclusive ridicularizar aqueles que interpretam o Capítulo oitavo de Amoris Laetitia segundo a Tradição da Igreja, rotulando-os de fariseus apedrejadores representantes de um rigorismo sem misericórdia. Este tipo de calúnia é alheia à natureza do Ministério Petrino. Parece que alguns de seus conselheiros se dedicam lamentavelmente a este tipo de atitude. Este comportamento dá a impressão de que vosso ponto de vista não pode sobreviver a um escrutínio teológico, e por isso deve ser sustentado mediante argumentos ad hominem.

Segundo. Muito frequentemente vossas formas parecem menosprezar a importância da doutrina da Igreja. Uma e outra vez Vós vos referis à doutrina como se fosse algo morto, algo útil somente para ratos de biblioteca, que estão longe das preocupações pastorais da vida diária. Aqueles que vos criticam foram acusados – e são palavras vossas – de fazer da doutrina uma ideologia. Mas é precisamente a doutrina cristã – incluindo as sutis distinções relacionadas às crenças fundamentais como a natureza trinitária de Deus, a natureza e a finalidade da Igreja; a Encarnação; a Redenção; os sacramentos – que liberta o homem das ideologias mundanas e garante-lhe que está pregando e ensinando o Evangelho verdadeiro, doador de Vida. Aqueles que subestimam a doutrina da Igreja se separam de Jesus, Autor da verdade. E o único que resta então é uma ideologia; uma ideologia que se conforma com o mundo do pecado e da morte.

Terceiro. Os fiéis católicos estão desconcertados pela vossa escolha de alguns bispos, homens que não só estão abertos àqueles que tem pontos de vista contrários à fé cristã, mas que também os apoiam e inclusive os defendem. O que escandaliza os fiéis e inclusive a alguns irmãos Bispos não é só o fato de que Vós nomeeis a estes homens como Pastores da Igreja, mas que permaneçais calado ante seu ensinamento e prática pastorais, debilitando assim o zelo de muitos homens e mulheres que defenderam a autêntica doutrina católica durante muito tempo, às vezes arriscando sua própria reputação e bem-estar. O resultado: muitos fiéis, em representação do sensus fidelium, estão perdendo a confiança em seu Pastor Supremo.

Quarto. A Igreja é um Corpo, o Corpo Místico de Cristo, e o Senhor vos encarregou a Vós a missão de promover e fortalecer sua unidade. Mas vossas ações e palavras parecem dedicar-se, frequentemente, a fazer o oposto. Alentar uma forma de “sinodalidade” que permite e fomenta várias opções doutrinais e morais dentro da Igreja só pode levar a uma maior confusão teológica e pastoral. Esta sinodalidade é insensata e na prática é contrária à unidade colegial dos Bispos.
Santo Padre, tudo isso me leva à última preocupação. Vós frequentemente falais sobre a necessidade de que haja transparência dentro da Igreja, exortando sobretudo nos dois últimos Sínodos, a que todos, especialmente os Bispos, falem francamente e sem medo ao que pudesse pensar o Papa. Mas, vós conseguistes perceber que a maioria dos Bispos do mundo estão surpreendentemente silenciosos? Por quê? Os Bispos aprendem rápido. E o que muitos aprenderam em vosso Pontificado é que vós não estais aberto a críticas, mas que vos molesta ser objeto delas. Muitos Bispos estão silenciosos porque desejam ser-vos leais e, por conseguinte, não se expressam – pelo menos publicamente; outra questão é se não o fazem privadamente – a preocupação que lhes causa vosso pontificado. Muitos temem que, se falarem francamente, serão marginalizados. Ou algo pior.

Constantemente me pergunto: “Por que Jesus deixa que tudo isso ocorra?” A única resposta que consigo dar-me é que Jesus quer manifestar quão débil é a fé de muitas pessoas que estão dentro da Igreja, inclusive de muitos – demasiados – Bispos. Ironicamente, Vosso Pontificado deu a liberdade e a confiança para aqueles que têm um ponto de vista pastoral e teológico prejudicial saíssem à luz e expusessem sua maldade, que antes estava oculta. Reconhecendo esta maldade, a Igreja humildemente necessitará renovar-se e assim seguir crescendo em santidade.

Santo Padre, rezo constantemente por Vós. E seguirei rezando. Que o Espírito Santo vos guie na direção da luz da verdade e da vida do amor, para que possais dispersar a maldade que nestes momentos está ocultando a beleza da Igreja de Cristo.

Sinceramente em Cristo,
Thomas G. Weinandy, O.F.M., Cap.
31 de julho de 2017
Festa de Santo Inacio de Loyola"

(Padre Weinandy, de 71 anos, lecionou nos Estados Unidos em diversas universidades, em Oxford durante doze anos e em Roma na Pontifícia Universidade Gregoriana. Foi, durante nove anos, diretor executivo do Secretariado para a Doutrina da Conferência Episcopal Norte-americana.)

Fonte:https://fratresinunum.com/

Comentários

  1. * "pode inevitavelmente" não é uma agrupamento de palavras lógico na língua portuguesa. Não sei se o eminente teólogo errou aqui, ou se foi um erro de tradução. O mais adequado seria "pode ocasionalmente", porque ou uma coisa é inevitável ou é uma possibilidade. No caso em questão, o texto deveria se referir a uma possibilidade, já que mesmo uma pessoa em pecado mortal sujeita a um ensino errado, não necessariamente ela irá pecar contra o Espírito Santo, pois não pode se excluir a possibilidade ainda que mais difícil, dadas as circunstâncias, de arrependimento e conversão.

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  2. "pode provavelmente" também cairia melhor. Uma vez que não se pode excluir a possibilidade da graça de Deus alcançar uma pessoa em tal situação, embora, como dito anteriormente, as circunstâncias em questão são muito desfavoráveis. O ensino claro, ajudaria o fiel a se endireitar, enquanto o ambíguo pode pôr sua alma em grave risco.

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  3. Ressalva à parte. O texto é muito bom.

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